Em época de retrospectivas, se tivéssemos de escolher o melhor evento de visualização de dados de 2014, apenas uma mão cheia seriam considerados – e a conferência Bocoup OpenVis seria uma que estaria nessa lista. O evento de dois dias ocorreu em abril, com palestras de Mike Bostock, Eric Fischer, Andy Kirk e Robert Simmon, entre outros. A terceira OpenVis Conf terá lugar nos dias 6 e 7 de abril de 2015 e já conta com um painel notável de palestrantes – se não chegou a ver, assista a todas as apresentações aqui.
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Por trás do sucesso da edição de 2014 está uma equipa coordenada por Irene Ros, no seu primeiro ano como líder de visualização de dados na Bocoup. Um nome bem conhecido na comunidade de visualização de dados, Irene é uma desenvolvedora de JavaScript com foco na criação de interfaces e visualizações atraentes, informativas e interativas, baseados em dados. Antes de entrar para a empresa de tecnologia “open web” com sede em Boston, trabalhou durante vários anos na IBM – sendo o ponto alto da sua experiência lá, o trabalho no Laboratório de Comunicação Visual na IBM Research. Ela fez parte da equipa que ajudou a construir o Many Eyes, uma das primeiras ferramentas colaborativas de criação e partilha de visualização de dados; e o Many Bills, uma interface visual para ler legislação do Congresso.
Conseguimos fazer algumas perguntas à Irene sobre a Conferência OpenVis e todas as outras coisas fantásticas que ela tem feito na Bocoup, a sua carreira em programação e visualização de dados, e sobre como ela acha que o campo evoluirá nos próximos anos – afinal, além de retrospectivas também é a altura das previsões, não é verdade?
Visualoop (VL) – Irene, faz algum sentido, neste momento, para falar sobre dados abertos sem associar, por definição, visualização de dados?
Irene Ros (IR) – Dados sem algum tipo de análise são apenas ruído. Se está chovendo agora lá fora, sabemos que está a chover, mas só isso. No entanto, sabendo como esteve o tempo durante a semana inteira, podemos, provavelmente, tirar alguma conclusão sobre a estação em que estamos e que tipo de tempo podemos esperar. Isto é verdade em todas as formas de dados, às vezes eles contém informação e às vezes não, mas os dados não são informação por si só.
Ver os resultados da análise de dados visualmente não é um requisito. Claro que há aquele grupo restrito de estatísticos brilhantes que conseguem olhar para os resultados numéricos e ter noção do que está a acontecer, mas eu diria que esses são poucos e dispersos. Nós, seres humanos, temos cinco sentidos incríveis e só podemos aumentar a nossa compreensão do mundo se os usarmos. Somos incrivelmente bons a identificar padrões, “outliers” e tendências, se nos forem dadas nos formatos corretos, e é por isso que há tanto carinho pela visualização de dados nos media – estamos a democratizar a análise dos dados ao usar métodos visuais para alcançar mais pessoas.
O nosso trabalho de visualização de dados na Bocoup agrupa-se em dois tipos – a construção de ferramentas de exploração e a criação de visualizações de interface com o utilizador. Construir qualquer um deles tem como base compreender as questões que estamos a perguntar, descobrir se elas podem ser respondidas com os dados (um processo de análise que envolve, frequentemente, esboçar as nossas próprias visualizações, com o objetivo de compreender o nosso conjunto de dados) e conceber e construir as melhores interfaces visuais para responder a essas questões, que muitas vezes envolvem ciclos de protótipos e revisões. Por exemplo, se os nossos dados têm muitos outliers e estamos particularmente interessados neles, vamos trabalhar em torno de métodos visuais que dão mais destaque a esses valores extremos, ao passo que, se estamos interessados em tendências globais, podemos focar-nos nos padrões. Não há verdadeiramente um único método visual que é sempre a resposta certa, o que é realmente parte da diversão.
Porém, encontrar o método visual correto é apenas metade da batalha e eu gostaria que falar mais sobre a outra metade. Fornecer contexto, mostrar a nossa própria incerteza, oferecer alguma narrativa e orientação são tudo coisas que são fundamentais para aumentar a experiência e compreensão do utilizador. Se queremos melhorar a alfabetização e dados visuais da nossa audiência, então somos responsáveis por fornecer essas coisas. Infelizmente a popularização da visualização de dados leva a que ela se possa encontrar em contextos que a utilizam mais para manipular do que para informar o público, como publicidade. Para combater isso, devemos munir o nosso público com o conhecimento para saber distinguir entre o que é rigoroso e verdadeiro e o que é apenas outra forma de publicidade habilmente disfarçada.
VL – Você é programadora há mais de duas décadas. Em que fase do seu processo de aprendizagem teve o primeiro contato com a visualização de dados?
IR – Assim está a trair a minha idade! Eu comecei a programar quando tinha 9 anos e verdadeiramente não parei desde então, embora a minha função tenha evoluído bastante nos últimos anos. Eu sou uma pessoa muito visual e sempre lutei para gostar de tarefas de programação que não resultavam em algo visual e envolvente. A minha descoberta aconteceu durante meu segundo ano na IBM. Em 2007 vi uma palestra de Martin Watternberg e Fernanda Viegas, que falaram sobre o Many Eyes e, de repente, tudo fez sentido. Vi uma bela fusão do meu fascínio com formas visuais, matemática (que foi a minha disciplina de estudo favorita) e programação (que era a minha ferramenta favorita para o trabalho.) Entrei para o grupo de trabalho deles sobre o Many Eyes e tenho sido uma profissional de visualização de dados desde essa altura.
Em retrospectiva, desejava muito ter tido contacto com os conceitos de interação humano-computador e visualização de dados mais cedo. Eu via isso no mundo, mas nunca os distingui como uma “coisa” própria. Eu acho que se eu soubesse que havia uma forma de causar impacto visual com a programação, isso teria-me servido de objetivo mais cedo. Sempre que visito o meu departamento de Ciências da Computação na UMass Amherst, que amo muito, faço questão de expor outros alunos de licenciatura a este mundo.
VL – Pode indicar três outros momentos marcantes na sua carreira, em relação a visualização de dados?
IR – Certamente que integrar o laboratório de Comunicação Visual da IBM Research foi um momento decisivo. Embora eu tenha realizado investigação como licenciada, a minha exposição ao mundo real da autoria de artigos, estudos de utilizadores, o processo de revisão e a comunidade académica eram todos novos. Só nos últimos anos é que eu realmente soube apreciar quanta reflexão colocamos nos projetos, protótipos, rascunhos, etc. Estou eternamente grata ao Martin, que me ensinou a preocupar-me com o resultado e não com o código, e a deitar coisas fora e começar de novo quando elas não funcionam.
Um projeto sobre o qual eu penso muito é o Many Bills, em que trabalhei durante o meu tempo na VCL com Yannick Assogba. Eu estava muito interessada na transparência do governo e nós, como um grupo, estávamos a explorar a análise do texto. Construímos uma aplicação web muito organizada para a visualização de uma lei do Congresso. Embora tecnicamente tenhamos construímos algo muito fixe e bonito, não conseguimos o envolvimento público que queríamos. Como se viu, as pessoas não estavam muito interessadas em compreender a legislação federal em geral. Isto ensinou-me a pensar sobre os meus utilizadores em primeiro lugar e minhas visualizações em segundo. Não tenho vergonha de usar um gráfico simples, se essa é a melhor ferramenta para um dado caso, porque, fundamentalmente, o meu objetivo é sempre transmitir alguma informação de uma forma envolvente e informativa, e não apenas criar uma visualização.
O terceiro momento mais marcante foi, obviamente, integrar a Bocoup. Eu gostei mesmo de fazer parte da comunidade académica, mas queria realmente colocar as minhas aprendizagens em prática e apoiar outras pessoas como eu, que estavam a ir “aos tropeções” para esta área, vindas de outras disciplinas e estavam a ter dificuldade em construir seu conhecimento e prática. O nosso trabalho com a equipa do The Guardian Interactive ensinou-me muito sobre integridade jornalística e analítica e assentou as fundações para o Projeto Miso e o resto da nossa prática de visualização de dados.
Estes dias tento pensar muito sobre o impacto e levo comigo um sentido de responsabilidade para com os outros (profissionais e público) no meu trabalho.
VL – Agora, na Bocoup, muitas pessoas a reconhecem pelo enorme sucesso que a Conferência OpenVis alcançou nas duas primeiras edições. Mas é claro que o seu trabalho lá vai muito além dessa conferência, certo?
IR – Com certeza. Temos vindo a fazer muito trabalho relacionado com visualização de dados aqui na Bocoup.
A nossa primeira sobreposição entre visualização de dados e o mundo do open source foi com o Projeto Miso. Foi durante o meu tempo no The Guardian que sentimos falta de ferramentas para a construir narrativas na web orientadas por dados. Começámos a trabalhar na biblioteca Dataset, de seguida trabalhámos na Storyboard (uma biblioteca de controlo de fluxo baseada em premissas) e continuámos, mais recentemente com o d3.chart (um invólucro em torno d3.js que permite criar gráficos reutilizáveis). Estamos continuamente a aumentar essas bibliotecas e à procura de desafios que a nossa comunidade enfrenta, tentando chegar a soluções que possamos criar e compartilhar com os outros. O Projeto Miso tem tido utilizações incríveis ao longo dos anos e estamos muito empenhados no seu sucesso.
Estamos sempre a pensar em educação na Bocoup. Recentemente comecei a ensinar d3.js numa turma, o que tem sido uma experiência muito gratificante. É uma biblioteca tão poderosa e complicada! Eu aprecio muito fazer com que os nossos alunos sejam capazes de criar visualizações com significado após apenas 2 dias em sala de aula. Tenho ficado impressionada com o que eles têm sido capazes de fazer desde então. Estamos sempre a pensar muito sobre o nosso currículo.
É claro que muito do nosso trabalho ocorre com os nossos clientes. Sempre temos uma variedade incrível de projetos em andamento, desde os muito criativos aos muito analíticos (e ambos!). Trabalhamos com pessoas num largo espetro de criação de interfaces orientadas por dados e de histórias – desde a análise de dados ao esboço e prototipagem e até à implementação e distribuição. Mais recentemente, um dos meus projetos favoritos foi trabalhar com a Climate Central para criar uma ferramenta exploratória que demonstrasse os riscos do aumento do nível do mar. Não só tivemos alguns desafios ao nível do esboço e dos dados, como tivemos um maior sentido de missão para o nosso trabalho. Ser capaz de converter dados em informações úteis e localmente relevantes foi uma experiência muito gratificante.
O ano que passou foi o meu primeiro ano como líder da Prática de Visualização de Dados na Bocoup. Venho trabalhar todos os dias com o propósito de ajudar e permitir que os meus companheiros de equipa, os clientes e a nossa comunidade se tornem melhores profissionais de visualização de dados e consumidores. É uma ótima combinação que me permite pensar criticamente sobre a nossa área de trabalho enquanto trabalho nela e a procuro melhorar ao seguir em frente.
VL – Como dissemos, esta última edição da Conferência OpenVis foi um enorme sucesso. Quão desafiador e gratificante foi organizar esse evento?
IR – Realmente foi uma experiência incrível. Não consigo transmitir o suficiente sobre o quão gratificante foi criar um evento que tantas pessoas consideraram útil e informativo. Era meu sonho criar uma conferência que atendia às necessidades dos que estavam a aprender e a melhorar, assim como às daqueles que eram líderes na nossa área e queriam partilhar o seu trabalho. Às vezes não é fácil juntar essas duas comunidades, mas estamos muito empenhados em fazer isso. Para aqueles que não os viram ainda, os vídeos para OpenVis estão publicados no site e vale mesmo a pena assistir.
Foi certamente uma tarefa desafiadora. Sabíamos desde o início que não íamos “cortar caminho” ou fazer concessões que, de alguma forma, reduzissem a qualidade do programa. Isso significou que, por vezes, tivemos de ser criativos ou de trabalhar ainda mais duramente, mas o programa e a experiência dos nossos participantes estiveram em primeiro lugar. Posso dizer que o assunto relativo à programação da OpenVis tem sido uma experiência de muita humildade. O Comité de Programação e eu dedicámos dezenas de horas à revisão e à procura de profissionais que queríamos trazer para a ribalta. Há um grande número de figuras proeminentes na nossa área, mas também há pessoas incríveis que estão a fazer um trabalho incrível e muitas vezes não recebem o reconhecimento que o seu trabalho merece. Queremos encontrar as melhores palestras, os melhores projetos, as melhores ferramentas e as melhores soluções de open source para os problemas que enfrentamos e essa procura é um assunto de extrema dedicação. Eu não poderia estar mais grata à comissão pelo seu trabalho.
Outro desafio em que pensamos muitas vezes é o da diversidade. A Bocoup é um lugar incrível quando se trata de diversidade e as nossas conferências e eventos canalizam esse espírito. É tão importante para nós criarmos um ambiente seguro dentro e fora dos nossos próprios eventos. Como resultado, trabalhamos incansavelmente para ter como o conjunto mais diversificado que possamos nos oradores e na audiência. Nem sempre somos tão bem sucedidos como gostaríamos (e só isto pode dar uma conversa inteira), mas tornamo-lo uma prioridade máxima e vai continuar a fazê-lo.
Relativamente à OpenVis Conf 2015, é só acessar http://openvisconf.com para conhecer o programa deste ano – e sigam no Twitter @OpenVisConf para anúncios futuros!
VL – Ótimo, parece que vai ser mais um grande sucesso! E por falar em eventos, tivemos o prazer de entrevistar Mariana Santos há algum tempo atrás e, entre outros temas, discutimos o projeto Chicas Poderosas – algo em que você também está de alguma forma envolvida, certo?
IR – Correto. Eu conheci a Mariana durante meu tempo no The Guardian. Desde então ela tem feito algumas coisas incríveis, incluindo fundar a Chicas Poderosas. O objetivo da organização é capacitar as mulheres nas redações toda a América Latina para trabalhar com a tecnologia. Acompanhei a Mariana num evento à Costa Rica, onde fizemos um workshop de dois dias destinado a ensinar análise de dados e competências relacionadas com visualização. As mulheres fizeram algumas reportagens investigativas incríveis – Eu acho até que alguns desses projetos foram noticiados no papel. Eu estava tão incrivelmente impressionada e rendida a essas mulheres!
Sinto-me muito afortunada por trabalhar numa empresa que se preocupa tanto com a diversidade na comunidade de programação. Apoiar a Open Web não se trata apenas software de open source, mas também da criação de um espaço aberto para partilhar e participar na tecnologia e sociedade. Nós organizamos uma série de eventos comunitários (como o Boston Data Vis meetup) e trabalhamos com organizações locais, como o Science Club for Girls (clube de ciências para raparigas) para continuar a fazer a open web um lugar amigável para todos.
VL – Numa entrevista recente, mencionou que estava animada acerca de quão longe o mapeamento evoluiu na internet. Como vê o campo de visualização de dados evoluir, como um todo, na próxima década? Arrisca alguma previsão?
IR – Essa é uma pergunta muito interessante e sobre a qual penso muito. Sinto que está próxima uma segunda onda de ferramentas “faça as suas próprias ferramentas de visualização de dados”. Entre Lyra, de Stanford, e Datapad (que eu ainda não vi, mas que sei que a equipa por trás dele é incrivelmente capaz), vamos ver um ressurgimento ferramentas de visualização e de análise baseadas na web. Prevejo o aparecimento de mais ferramentas que reúnem a análise de internet e visualização.
Eu também vejo uma enorme “sede” de visualização de dados em novos campos. Acho que as pessoas sabem que é um dispositivo poderoso e estão a tentar integrá-la em seu fluxo de trabalho e comunicação. Engenheiros de interface, que tradicionalmente trabalhavam dentro das limitações de aplicações CRUD estão a ter de adicionar também gráficos e pensar mais sobre dados comportamentos orientados por dados. Isto significa que vamos precisar de conteúdo educacional de mais alta qualidade e melhores pontos de integração entre os enquadramentos de aplicações web tradicionais e visualização de dados. Vai “desfocar” a linha, mas acho que é, fundamentalmente, uma coisa boa. Eu adoraria ver um mundo em que não separamos visualização de dados de outros conteúdos da web, mas os criamos lado a lado.
VL – E para fechar, Irene, o que pode dizer-nos sobre novos projetos? O que podemos esperar da Bocoup nos próximos meses?
IR – Bem, não haverá um momento de tédio, posso prometer-lhe isso! Estamos a trabalhar arduamente na OpenVis Conf 2015, portanto fique atento a isso. Também estamos a trabalhar nalguns materiais educativos que irão “ser uma luz” para algumas das partes mais complicadas do d3, por isso esteja atento ao blog bocoup e página de educação online. Também estamos a trabalhar nalguns projetos interessantes, que sempre vamos publicando no nosso portfólio de visualização de dados.
VL – Muito obrigado, Irene – e um órimo 2015!
IR – Obrigado!
Apreciamos imenso o tempo que a Irene dedicou a responder a todas as nossas perguntas. Pode acompanhar as atualizações da Irene no seu site, e conectar-se com ela no Twitter (@ireneros), LinkedIn e GitHub.