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Conversa com… Luiz Iria

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(foto:Luiz Iria)
(foto:Luiz Iria)

Poucos nomes da infografia brasileira são tão conhecidos mundialmente quanto o de Luiz Iria. E são menos ainda os que tiveram tanto impacto na fomentação dessa linguagem jornalistica nas publicações nacionais. Ao longo de quase duas décadas ao serviço da Editora Abril, o Luiz não só implantou a infografia de forma definitiva em títulos como a SuperInteressante e a Mundo Estranho – que acabaram se tornando o ‘cartão-postal’ dos infográficos do Brasil – mas também inspirou (e ensinou) uma geração inteira de novos talentos, que, por sua vez, ajudaram a consolidar o jornalismo visual em praticamente todas as principais publicações do nosso país.

A opção pela carreira de ilustrador teve origem da sua paixão por desenhos e histórias em quadrinhos, alimentada desde a infância por mestres como Frank Miller e John Byrne. Entrou no mercado de trabalho aos 22 anos, e em meados da década de 1990 começou a colaborar com a SuperInteressante, primeiro como colaborador esporádico, e depois como ilustrador fixo da revista. E desde então, a sua ascensão profissional nunca mais parou.

Agora, prestes a enfrentar uma nova etapa na sua carreira, o Luiz compartilhou conosco um pouco mais sobre o seu percurso na infografia, os atuais desafios do mercado editorial, e muito mais.

Visual Loop (VL) – Luiz, é possível dimensionar a importância que o Núcleo de infografia da Abril teve no crescimento desta forma de comunicação no meio editorial brasileiro? Porque hoje a infografia Brasileira está entre as mais reconhecidas no mundo, mas nem sempre foi assim, certo?

Luiz Iria (LI) – A infografia na Abril começou realmente em meados de 1995 quando o diretor de redação da Superinteressante Eugênio Bucci trouxe grandes infografistas espanhóis para ministrarem palestras e workshops para os profissionais da Abril. Foi aí que eu escolhi ser infografista. Fiquei fascinado com o trabalho do jornal espanhol “El Mundo”.

Após 10 anos na Super, eu percebi que a revista já não precisava mais da minha presença para criar infográficos. Foi quando eu me dei conta de que a Editora Abril tinha vários títulos com potencial de usar o recurso da infografia. O que faltava era alguém que mostrasse o caminho de como fazer. Foi quando surgiu a ideia de criar um Núcleo de Infografia que pudesse trabalhar com outros títulos da Abril e não só com a Super e a Mundo Estranho. Com o apoio do Dr. Roberto Civita e Thomaz Souto Correa, o Núcleo foi criado em 2005. Eu não tinha equipe no começo mas eu tinha a liberdade de visitar as redações e propor pautas e prestar consultorias ensinando editores, repórteres e designers como pensar infograficamente.

Após dois anos de muito trabalho, a Abril conquistou 15 prêmios em uma única edição do Malofiej, a maior premiação de infografia do mundo, com cinco títulos da Abril. Eu estava envolvido em 14 dos trabalhos vencedores.

A partir deste momento, a infografia se espalhou por toda a Abril e hoje a editora é reconhecida mundialmente no meio editorial por sua excelência na arte da infografia. Superinteressante, Mundo Estranho, Veja, Saúde, Nova Escola, Aventuras na História entre outras publicações. Fico muito feliz de ter tido um papel importante nessas conquistas.

VL – Tudo começou com a SuperInteressante, em meados de 1995, com a famosa série sobre Artes Marciais. É provável que já tenha contado esta história dezenas de vezes, mas para os leitores que ainda não conhecem, como foi essa primeira experiência, e que impacto ela teve na sua carreira?

LI – Após a partida dos espanhóis, eu tive a ideia de criar uma matéria sobre as artes marciais mais praticadas no Brasil, suas origens, suas diferenças e seus principais golpes. Algo que me estimulou muito a realizar esta pauta foi o fato de eu ser praticante de Taekowdo na época. Sou um apaixonado por artes marciais.

O que eu não contava era com a recusa dos editores da Super. Eles foram unânimes em dizer que artes marciais não era um tipo de assunto pertinente para a revista.

Foram três reuniões de pauta onde eu continuei tentando emplacar mas não tinha como fazer os editores entenderem o potêncial do projeto.

Eu não me dei por vencido e por conta própria fiz vários layouts procurando mostrar como seria a matéria e fui apresentar direto para o diretor de redação Eugênio Bucci. Foi neste momento que eu aprendi como vender uma pauta de infografia. Não só com palavras e sim com imagens.

Consegui um espaço de nove páginas (eu queria 10 rsrsrs) e daí pra frente foi só prazer e alegria pois era minha grande oportunidade de realizar algo em que eu acreditava muito. Foram várias entrevistas, mais de 500 fotografias e centenas de ilustrações para a realização do projeto.

O Eugênio ficou tão feliz com o resultado final da matéria que resolveu me mandar para Pamplona, na Universidade de Navarra, participar do Malofiel. Palestras e workshops com os melhores profissionais do mundo em infografia. Momentos maravilhosos para um jovem com apenas dois anos de carreira em infografia.

Mas o melhor estava por vir. Na noite das premiações, a matéria intitulada “Golpes de Mestres” foi agraciada com a medalha de ouro na categoria esportes e eu estava lá para receber pessoalmente. Foi um momento mágico onde pude ver todo o meu empenho ser recompensado.

A matéria ganhou também o prêmio Abril de Jornalismo e foi publicada na Europa e na América Latina. Daí pra frente as portas se abriram e a infografia na Abril não parou mais.

VL – Além desse trabalho, mais algum que tenha um lugar especial nas suas preferências? Ou algum que tenha sido particularmente difícil de desenvolver?

LI – “Montado na Fúria”, matéria de 10 páginas explicando as principais modalidades do rodeio, “Tráfico na Favela”, mostrando como é o tráfico de drogas em uma favela e como a polícia deveria agir para combatê-lo e “Mundo Árvore”, que conta como é um ecossistema de uma árvore são trabalhos memoráveis na minha carreira. “As sete maravilhas do mundo”, uma série de sete infográficos em formato de dupla explicando a origem e como eram esses grande monumentos da humanidade e a série “A Evolução do Futebol”, dez infográficos mostrando a evolução do esporte-rei, também são memoráveis.

Todos tem seu grau de dificuldade mas um dos últimos infográficos que participei e que ganhou medalha no Malofiej deste ano foi sobre os 100 anos do naufrágio do Titanic. Este projeto foi difícil de realizar pois, além do poster de três duplas na revista Mundo Estranho, tivemos que desenvolver uma versão digital para tablets em um curtíssimo espaço de tempo.

Tragédia Titânica, infográfico da Mundo Estranho
Um dos trabalhos da Mundo Estranho a ganhar uma medalha de Bronze no Malofiej 21

 

Foi aí que pude sentir o grande potencial que a infografia pode ter na era digital através de animações, programações e interatividade. Espero poder ter outras oportunidades como essa na nova fase da minha carreira.

VL – Entre as suas referências favoritas, enquanto ilustrador, estão as histórias de quadrinhos e filmes. Como você consegue incorporar esses elementos na infografia sem cair no erro de desviar o foco das informações ou deixar o infográfico demasiado ‘decorado’?

Foi algo que fui aprendendo no decorrer dos anos. Como eu sempre fui muito ligado no impacto visual, meus primeiros infográficos estavam mais focados na decoração do infográfico. Alguns dos meus trabalhos os arquivos em psd possuem mais de 900 layers. Perfeccionismo nos detalhes sempre foi marca registrada nas minhas infografias.

Com o tempo, experiência, contato e aprendizado com outros grandes profissionais da área, fui encontrando equilíbrio e medida certa entre imagem e informação e sem abrir mão do impacto visual e emocional que traz a maioria das minhas infografias.

Com o tempo, experiência, contato e aprendizado com outros grandes profissionais da área, fui encontrando equilíbrio e medida certa entre imagem e informação e sem abrir mão do impacto visual e emocional que traz a maioria das minhas infografias.

 

VL – No seu livro ‘The Functional Art” (A Arte Funcional), Alberto Cairo cita o seu trabalho como uma referência de um estilo de infografia que funciona bem em determinados contextos editoriais, como no caso da SuperInteressante ou na Mundo Estranho. Mas você esteve envolvido no desenvolvimento da infografia em outras revistas da Editora Abril, nem todas com o mesmo público-alvo. Pode nos falar um pouco sobre essas diferenças de estilo nas várias publicações?

LI – Os caminhos e estilos dentro da infografia são inúmeros. Tivemos a fase “John Grimwade” com seu trabalho vetorial impecável que encantou e influenciou milhares de infografistas no mundo inteiro. Depois veio Jaime Serra com uma pegada mais artística e conceitual fazendo dos seus trabalhos verdadeiras obras de arte e o grande Alberto Cairo com quem tive o prazer de trabalhar com uma infografia mais sóbria no aspecto visual mas, contudo, mais racional no entendimento da informação através da infografia de visualização de dados.

A Superinteressante, hoje conhecida no Brasil como a revista dos infográficos, abrange todos esses estilos em comum. A revista Exame, por se tratar exclusivamente de negócios e mundo empresarial, adota uma linguagem mais simples utilizando gráficos convencionais que é o que os leitores dela precisam e apreciam.

A revista Arquitetura e Construção tem suas plantas de arquitetura utilizando o recurso do 3D como também apenas traços mais simples. A revista Saúde usa vários estilos e muitas analogias e criatividade para mostrar o macro e micro dentro do corpo humano.

Para falar a verdade, dentro da minha experiência de 18 anos de carreira trabalhando com infografia, todos os caminhos que a infografia oferece podem ser utilizados em todas as revistas. Só é preciso encontrar a pauta certa na hora certa.

Fiz um infográfico realista em parceria com o grande ilustrador Sattu para a revista Viva Mais do Núcleo de Semanais da Abril.

Nunca imaginaram fazer algo assim para uma revista voltada para a classe C. Um infográfico realista em uma revista com esse perfil editorial? Nem pensar.

Acontece que a pauta era sobre como funciona o ciclo menstrual da mulher. O trabalho foi um sucesso e uma aprovação de 96% das leitoras que responderam uma enquete sobre o infográfico. Logo em seguida fizemos outro infográfico no mesmo estilo sobre o que acontece com o cabelo da mulher desde o nascimento até a velhice. Fizemos também uma versão para internet no portal M de Mulher dos dois infográficos onde em 4 semanas tivemos mais de 300 mil page views.

Só vamos saber se um determinado tipo de comida é bom ou não se experimentarmos, certo? Com a infografia é a mesma coisa. É só recordar da minha experiência com a matéria sobre artes marciais. Considerada uma pauta absurda, ela se tornou um marco na Super e abriu caminho para a infografia dentro da Abril.

Todos os caminhos que a infografia oferece podem ser utilizados em todas as revistas. Só é preciso encontrar a pauta certa na hora certa.

VL – As mudanças no cenário editorial sucedem-se a um ritmo estonteante, e vive-se uma onda de reestruturações tanto a nível nacional como a nível internacional que tem como uma das principais consequências a redução dos quadros, inclusive com departamentos de infografia. Qual a sua leitura desta realidade? Era uma mudança inevitável, prevista, ou faltou visão estratégica por parte do mercado?

LI – As baixas vendas como também a queda de publicidade nas revistas impressas, começou a desencadear um processo de projeção negativa no futuro editorial das editoras. E não é só no Brasil e sim no mundo todo. O mercado editorial está sofrendo uma imensa reestruturação para não terem grandes prejuízos a médio e longo prazo. Isso é fato e deve ser encarado de frente. O futuro é digital e não tem volta.

O mais angustiante é que é difícil saber como e quanto investir nessa nova era digital. Quando você vai em uma banca de jornal já sabe o que vai comprar. No digital, principalmente nos tablets, a versão digital de uma revista tem que competir com milhões de outras possibilidades de entretenimento em escala mundial, sem falar das pessoas que não conseguem se adaptar ao digital. Realmente um momento muito delicado e qualquer decisão errada pode por tudo a perder.

Conteúdo e criatividade, na minha opinião, serão dois fatores vitais para o futuro editorial e da comunicação digital. Um produto com qualidade, interatividade, com movimento e excelência visual pode ser um caminho de acerto e esperança para as editoras. Por isso, elas devem ter um cuidado minucioso ao abrir mão de excelentes profissionais que podem fazer a diferença em um mundo de competitividade extrema em que vivemos hoje.

O mercado editorial está sofrendo uma imensa reestruturação para não terem grandes prejuízos a médio e longo prazo. Isso é fato e deve ser encarado de frente. O futuro é digital e não tem volta.

VL – Crise no meio editorial, e aumento da demanda no meio corporativo. Quais os principais desafios que um infografista que saia de uma redação encontra ao começar a atender empresas, seja com a comunicação interna e institucional, seja com comunicação externa?

LI – Quando assumi o Núcleo de Infografia, aos poucos fui percebendo que a linguagem poderia ir além das revistas impressas. Em uma empresa grande como a Abril, é necessário mostrar para os funcionários como funciona determinados departamentos que são importantes no dia a dia de cada um.

Como fazer uma apresentação institucional de uma empresa sem que ela fique extensa e cansativa? Como funciona o tráfico de correspondências? Como deve ser feito o processo de aprovação de um candidato para uma vaga?

Em caso de incêndio, quais os caminhos seguros e quais os procedimentos a serem tomados? Como fazer os funcionários entenderem a reestruturação de tecnologia da empresa?

Fui fazendo essas e muitas outras perguntas para mim mesmo e vi que eu poderia colaborar ainda mais com o meu trabalho.

Desenvolvi várias campanhas para o RH, para o corporativo e também para eventos internos da empresa utilizando o recurso da infografia e da ilustração. Com isso ampliei minhas oportunidades de trabalho para mim e para minha equipe.

Ser observador e estar sempre se questionando, pode nos levar a visualizar oportunidades que outras pessoas não conseguem enxergar.

VL – Isso nos leva à inevitável pergunta: Diante da avalanche de ilustrações, posters e demais imagens que são publicadas na Internet como ‘infográficos’, como fazer a verdadeira infografia ser valorizada?

LI – Procurar saber quem são os grandes infografistas da atualidade a nível mundial e procurar conhecer sua biografia, trabalhos e experiência profissional. Este pode ser um caminho interessante principalmente para aqueles que não conhecem os conceitos gerais da infografia.

Aí sim, você vai conseguir separar muito bem o que é um verdadeiro infográfico dentro das milhões de possibilidades que possa encontrar na internet. Aprendi muito indo por este caminho.

VL – E neste cenário, que conselhos você daria a alguém que esteja interessado em seguir uma carreira na infografia?

LI – Estudar jornalismo, fazer uma escola de desenho e estar muito bem atualizado no cenário global são ingredientes importantíssimos na formação de um profissional da infografia.

Pesquizar sobre grandes infografistas que se destacaram a nível mundial, estudar História da Arte e ficar atento a evolução do mercado digital são de grande importância também.

VL – Um palmarés invejável de prêmios de Jornalismo e Infografia, reconhecimento internacional, participação em eventos, palestras e workshops e incontáveis menções na Internet, em revistas e em livros. Olhando para tudo isso, que balanço você faz da sua carreira até agora, e quais os desafios que vêm ai pela frente?

LI –  Adorei a pergunta. Poderia resumir em uma frase apenas: “Amo o que faço”. Quando você segue sua vocação e consegue transpor os obstáculos da necessidade através do talento e descobrir o que realmente quer fazer, nada pode impedir sua realização profissional principalmente se você tem princípios e propósitos de bem.

Posso dizer que fui um dos principais percursores da infografia no Brasil, aquele que levantou a bandeira e nadou contra a corrente.

Mas levar a infografia brasileira ao reconhecimento que ela conquistou a nível mundial não é só mérito meu. É também de dezenas e dezenas de profissionais que me ensinaram, acreditaram e trilharam este caminho ao meu lado. Gostaria muito de listar o nome de cada um mas eu não teria espaço suficiente nesta entrevista, acredite. A todos eles minha gratidão eterna por acreditar na minha visão e no meu profissionalismo. Desejo a todos muita Saúde e Sucesso em suas vidas.

Agora em carreira solo vejo que os desafios são infinitamente maiores e que realmente eu não sei o que vai acontecer.

Eu só tenho certeza de três pontos essenciais daqui pra frente: acreditar em mim mesmo, na minha experiência profissional e correr atrás.

Grande abraço a todos e a vida continua.

VL – Muito obrigado, Luiz, e sucesso!

 

Agradecemos imensamente ao Luiz por nos ter concedido esta entrevista, e lhe desejamos toda a sorte do mundo nesta nova fase. Se ainda não conhece o seu Blog, é simplesmente imperdível, e siga também as suas atualizações no Behance, no Twitter e no Facebook.

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